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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Ativistas LGBTQIA+ e pró-aborto legal tentam retomar pautas após recuo na eleição

 

Grupos avaliam, porém, que não será fácil obter avanços em governo de frente ampla; STF é visto como saída

SÃO PAULO

Após uma campanha marcada por uma disputa pelo eleitorado conservador, ativistas LGBTQIA+ e defensores da descriminalização do aborto tentam retomar suas pautas. Eles veem dificuldade, no entanto, diante da amplitude do arco de alianças que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) presidente.

Avanços em medidas de caráter universal que também beneficiem seus públicos ou alterações que não dependam de aval do Congresso, como mudanças em portarias, são vistas pelos movimentos como possíveis alternativas para os próximos quatro anos.

Ativistas LGBTQIA+ diante de toalha com a cara de Lula
Bandeira de Lula na 26ª Parada do Orgulho LGBTQIA+, realizada em junho, em São Paulo - Marlene Bergamo - 19.jun.22/Folhapress

Ativistas não deixam de lembrar a forte ligação do vice Geraldo Alckmin (PSB) com o catolicismo nem as próprias declarações de Lula que abraçaram o conservadorismo ao longo da campanha —ou mesmo o histórico dos governos petistas, marcados por avanços e recuos.

Afinal, o partido ficou mais de 13 anos no governo federal e nunca tomou uma iniciativa para ampliar as possibilidades de aborto legal, mas tampouco retrocedeu nas possibilidades já previstas em lei.

Também teve um presidente, o próprio Lula, abrindo com sua então esposa a 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais em 2008; e, três anos depois, teve outra mandatária, Dilma Rousseff, vetando a distribuição de material contra a homofobia às escolas sob a alegação de se tratar de "propaganda de opção sexual".

O então presidente Lula em 2008, ao lado da esposa, Marisa Letícia, com bonés e bandeira LGBT na 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, em Brasília
Lula em 2008, ao lado de Marisa Letícia na 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, em Brasília - Sérgio Lima - 5.jun.2008/Folhapress

O episódio em torno do que veio a ser chamado pejorativamente de "kit gay" foi uma lição que serve de aprendizado para o momento atual, diz Toni Reis, que esteve à frente da elaboração do material.

"Precisamos nos comunicar para além da bolha", afirma. Presidente da Aliança Nacional LGBTI+, ele ressalta que a possibilidade de diálogo com um governo Lula é incomparavelmente maior do que com Jair Bolsonaro (PL), presidente que fez inúmeras declarações homofóbicas ao longo de sua carreira política.

Ainda assim, vai ser preciso conversar com setores conservadores, que estarão no Congresso e mesmo no governo. "Não podemos escolher os interlocutores, quem escolheu foi a democracia", afirma.

Isso não significa, porém, deixar de lado a pauta da população LGBTQIA+. "Na campanha, tinha que ter um recuo tático, recolhemos nossos canhões. Agora não é mais campanha", diz.

Entre as reivindicações que ele cita está a atuação do Ministério da Educação para formar professores aptos a combater o bullying nas escolas, inclusive de caráter homofóbico, e a criação de uma área com olhar específico para a população LGBTQIA+ no governo.

"Mulheres, negros e povos originários terão ministério. Já que não vamos ter, que tenhamos departamento no Ministério de Direitos Humanos com equipe e verba", afirma.

Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), também afirma que, superada a disputa eleitoral, é hora de mostrar ao Brasil quais são as reais bandeiras da população trans.

Na campanha presidencial, a discussão ficou praticamente restrita a um debate distorcido sobre banheiros unissex.

"Nunca defendemos banheiros unissex, até porque sempre existiram. O que defendemos é que as pessoas possam usar o banheiro sem serem violentadas de acordo com sua identidade de gênero", diz.

Entre os pleitos reais da população trans, afirma, está um olhar específico para a inclusão em políticas públicas de saúde, educação, segurança pública e transferência de renda.

Ela avalia que, de fato, o Congresso ficou mais conservador. Por outro lado, aponta a novidade das duas parlamentares transgênero eleitas, o que deve dar maior visibilidade às pautas.

"Se a gente fica quieta, é atacada, se fica na ativa, também", diz ela. "Se a gente não ficar tensa quando o presidente abre a boca, já vai melhorar bastante."

ABORTO

Quando se trata de outro assunto espinhoso da campanha eleitoral, o aborto, a tentativa de reverter retrocessos é tão lembrada como a importância de avançar.

Um dos retrocessos que se busca reverter, diz a socióloga Tabata Tesser, integrante da Católicas pelo Direito de Decidir, é a portaria do Ministério da Saúde de 2020 que mudou as regras para acesso ao aborto legal.

Ela instituiu, por exemplo, a orientação para que médicos avisem a polícia quando uma gestante diz ter sido vítima de violência sexual, o que foi criticado por ferir a previsão de sigilo e por empurrar para o aborto ilegal mulheres com medo de denunciar seus agressores.

Para Tabata, mestre em ciência da religião, a reversão da portaria é uma medida mais viável em um governo de frente ampla, mas os movimentos em favor de mais possibilidades de interrupção da gravidez não devem perder do horizonte seus objetivos.

"O Brasil precisa decidir se quer colocar a mulher que aborta em um camburão ou em um hospital com toda a assistência possível", diz.

Para a antropóloga Debora Diniz, professora da UnB (Universidade de Brasília), passada a eleição, cabe aos movimentos manter a pressão para que o aborto seja tratado como questão de saúde pública.

Esperar algo nesse sentido pela mera mudança de governo seria um erro, em sua avaliação, e não só pela frente ampla que sustenta Lula.

"Lula já foi presidente por oito anos, e a questão do aborto nunca foi prioridade ao longo desse período", diz.

Por outro lado, ela vê a possibilidade de o tema ser tratado no STF (Supremo Tribunal Federal). A ministra Rosa Weber é relatora da ação que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez.

Ao assumir a presidência do tribunal, Rosa decidiu manter em seu gabinete a relatoria dessa ação, que já foi alvo de audiências públicas, e de mais 33 outras.

Como a ministra terá que se aposentar até outubro do ano que vem, ela teria até lá para pautar o tema se quiser participar de seu julgamento. Não é obrigada a fazer isso, no entanto.

Debora ressalta ainda a influência dos países latinoamericanos que ampliaram as possibilidades de interrupção da gravidez nos últimos anos.

O aborto foi descriminalizado na Argentina em 2020, no México em 2021 e na Colômbia neste ano.

"Essa é uma agenda que move um fanatismo muito grande. Surpreendente teria sido se tivesse sido tratada de outra forma na campanha eleitoral", diz. "Mas o Brasil está cercado por países que estão enfrentando essa pauta, e nunca esteve com um movimento feminista tão forte e tão diverso como hoje."

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