por Tayguara Ribeiro | Folhapress
Após receber críticas de familiares de Marcelo Arruda e dirigentes de partidos de esquerda, a Polícia Civil do Paraná divulgou uma nota neste domingo (17) justificando porque o assassinato do petista (veja aqui) não foi enquadrado como crime político.
Segundo o texto do órgão, não há nenhuma qualificadora específica para motivação política prevista em lei, "portanto isto é inaplicável".
"Também não há previsão legal para o enquadramento como 'crime político', visto que a antiga Lei de Segurança Nacional foi revogada pela nova Lei de Crimes contra o Estado Democrático de Direito, que não possui qualquer tipo penal aplicável."
O guarda municipal Marcelo Arruda foi assassinado durante uma festa com temática do PT, no sábado (9). Um policial penal bolsonarista invadiu a sua festa de aniversário de 50 anos e atirou no militante petista. O caso ocorreu na cidade de Foz do Iguaçu (PR).
Durante a ação, o petista reagiu e efetuou disparos contra seu agressor, identificado como Jorge José da Rocha Guaranho. O atirador permanece internado em estado grave, mas estável.
Segundo os relatos à polícia, Jorge passou de carro em frente ao salão de festas dizendo "aqui é Bolsonaro" e "Lula ladrão", além de proferir xingamentos. Ele saiu após uma rápida discussão e disse que retornaria.
De acordo com as testemunhas, Marcelo então foi ao seu carro e pegou uma arma para se defender. Jorge de fato retornou, invadiu o salão de festas e atirou em Marcelo.
Na sexta-feira (15), a Polícia Civil do Paraná anunciou a conclusão do inquérito que investigou em menos de uma semana o caso.
De acordo com a polícia, o crime teve motivo torpe e, tecnicamente, não será enquadrado como crime de ódio, político ou contra o Estado democrático de Direito, por falta de elementos para isso.
Na nota divulgada nesse domingo, a Polícia Civil do Paraná justifica que o inquérito policial da morte do guarda municipal foi concluído com o autor sendo indiciado por homicídio qualificado por motivo torpe e perigo comum.
"A qualificação por motivo torpe indica que a motivação é imoral, vergonhosa. A pena aplicável pode chegar a 30 anos", diz o texto. "Portanto, o indiciamento, além de estar correto, é o mais severo capaz de ser aplicado ao caso".
A polícia afirma ainda ser uma instituição de Estado e com atuação pautada "exclusivamente na técnica. Opiniões ou manifestações políticas estão fora de suas atribuições expressas na Constituição Federal".
Especialistas ouvidos pela Folha, afirmam que não há na legislação brasileira tipos penais específicos de crime de ódio com motivação política e nem de crime político de matar adversário partidário ou ideológico.
Mas o caráter político pode ser considerado motivo torpe ou fútil do homicídio e elevar a pena de prisão ao máximo previsto na legislação brasileira, que é de 30 anos.
Eles apontam ainda que a motivação política de um delito é diferente de um crime político -que poderia ser aplicável no caso de violações contra o Estado democrático de Direito.
A advogada criminalista Ana Carolina Moreira Santos explica que o conceito de motivo torpe está mais ligado a condutas imorais, e o de motivo fútil se aproxima mais da ideia de banalidade, insignificância e desproporção entre o crime e a causa.
Ambas situações qualificadoras estão previstas no artigo 121 do Código Penal.
A pena do homicídio simples vai de 6 a 20 anos de prisão, mas, se praticado com motivo torpe, como no caso do bolsonarista em Foz do Iguaçu, a punição sobe para 12 a 30 anos.
Em geral, crimes de ódio são entendidos como aqueles que envolvem a aversão a determinados grupos e segmentos da população. Não existe na legislação brasileira, contudo, a previsão específica de crime de ódio. Assim, não há um tipo penal expresso denominado crime de ódio com motivação política.
"Apesar da ausência desse rótulo específico, há normas no direito brasileiro que se enquadram ou podem incidir nesses casos", explica o advogado criminalista Vinícius Assumpção.
Ele aponta que o homicídio praticado com base em ódio a determinado grupo político pode ser considerado como crime qualificado. Isso porque, neste caso, o ódio político seria considerado como motivo fútil ou torpe.
A família de Marcelo se pronunciou por meio de seu advogado, Ian Vargas. Ele disse que eles aguardam o resultado das demais investigações em andamento, como a perícia no celular de Jorge.
Segundo o representante dos familiares, tanto nos relatos das vítimas quanto das testemunhas houve a intolerância política, que resultou na violência contra Marcelo.
"Ele [Marcelo] era uma pessoa estranha, não era convidado [da festa], não trabalhava lá, invadiu o local e cometeu o crime brutal", diz Vargas.
A celeridade dos trabalhos e a falta de enquadramento como crime político foram alvos das críticas de outros aliados do ex-presidente Lula.
A presidente nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), afirmou por sua vez que a conclusão das autoridades paranaenses é "açodada e contraditória aos fatos" e que ela significa "mais um incentivo aos crimes de ódio e à violência política comandadas por Bolsonaro".
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), líder da bancada do partido na Câmara, afirmou à Folha que a conclusão da polícia "não contribui para a pacificação das eleições no Brasil". "O inquérito nega a verdade e ajudará aumentar a escalada da violência incentivada pelo Bolsonaro", disse ele.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), importante peça na campanha presidencial de Lula, afirmou que a polícia tenta minimizar o caso.
"A Polícia Civil do Paraná concluiu que não foi crime político porque não impediu ninguém de exercer seus direitos. Fica difícil Marcelo exercer esses direitos estando morto, não? Negar a natureza de crime de ódio ao caso é uma tentativa covarde de apagar essa tragédia!", escreveu nas redes sociais.
Em nota, o PT do Paraná afirmou que o "encerramento apressado das investigações" é uma ofensa à família de Marcelo, além de um "prognóstico preocupante de conivência das autoridades com os futuros episódios de violência que ameaçam as eleições deste ano".
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) foi na mesma linha.
"Um atípico inquérito a jato, para uma conclusão estapafúrdia, que confronta fatos e evidências visíveis a olho nu. É lamentável que um delegado se preste a fazer o jogo bolsonarista, em detrimento de seus deveres", escreveu.
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