por Tayguara Ribeiro, Uirá Machado e Fernando Pedroso | Folhapress
Campanhas eleitorais são caras, mesmo na era digital. A quantidade de dinheiro que cada candidato usa depende de variáveis como cargo em disputa, estrutura do partido e influência dentro da legenda. Na média, porém, depende também de dois fatores em tese sem relação com isso: raça e gênero.
A diferença é expressiva. Em 2014, candidatos brancos que declararam recursos na disputa para deputado federal conseguiram, em média, R$ 399 mil para financiar suas campanhas. Os candidatos negros tiveram um terço desse valor: R$ 138 mil.
Em 2018, após mudanças nas regras, como a que barrou o financiamento por empresas, essas cifras médias ficaram menores, mas a disparidade permaneceu elevada: R$ 251 mil para os brancos e R$ 110 mil para os negros.
Quando se acrescenta o gênero na equação, a desigualdade na distribuição de recursos aumenta ainda mais. Em 2014, mulheres negras que concorreram a uma cadeira na Câmara dos Deputados declararam, em média, R$ 45 mil. Os homens brancos tiveram mais de dez vezes esse valor: R$ 486 mil.
Em 2018, enquanto mulheres negras registraram média de R$ 85 mil na briga pela Câmara, homens brancos arrecadaram R$ 283 mil, na média.
O desnível continuou grande, mas diminuiu por causa do teto de gastos e, provavelmente, devido a distorções provocadas por candidaturas laranjas, como mostrou série de reportagens da Folha.
Entre os candidatos a deputado estadual, o padrão se repete. As verbas se concentram, na média, em mãos de homens brancos.
Os dados são do estudo "Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras", conduzido pelos economistas Sergio Firpo, Michael França, Alysson Portella e Rafael Tavares, pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. Firpo e França também são colunistas da Folha.
A disparidade que eles mostram pode ser ainda maior. Não só pela existência de laranjas, mas também porque o estudo levou em conta o banco de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), baseado em autodeclaração e sujeito a fraudes ou erros, com aumento artificial das candidaturas negras.
De acordo com os quatro pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, há forte relação entre financiamento e voto.
"As diferenças no acesso aos recursos de campanha podem realmente ser uma importante causa na diferença de performance entre candidatos a deputados federais brancos e negros", escrevem.
A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) conhece bem essa realidade. Ela está entre as 13 mulheres negras eleitas em 2018 para a Câmara, que tem 513 membros.
"Os partidos apostam menos em figuras negras, em especial mulheres negras, e financiam menos essas candidaturas", diz. "É parte de um racismo estrutural, que está também nas instituições. Esse é um cenário persistente. Como se a política institucional não fosse um lugar para o corpo negro."
Embora no passado tenha sido eleita vereadora em Niterói com poucos recursos, Petrone afirma que o dinheiro é um dos elementos mais importantes para a viabilização eleitoral em campanhas no âmbito estadual, como as de deputado.
Não é por acaso. O eleitor só pode votar em quem ele sabe que é candidato. E, para que isso aconteça, as opções disponíveis precisam chegar a seu conhecimento. E, para que isso aconteça, o candidato precisa se destacar entre centenas e centenas de nomes.
"Campanha é um empreendimento de estrutura organizacional empresarial", diz Cloves Luiz Pereira Oliveira, chefe do departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia.
"Quanto maior a envergadura do cargo em disputa, maior a estrutura necessária. Quanto mais profissionais qualificados você tiver, mais caro fica."
A lista de "funcionários" dessa empresa é grande. Pode incluir gestor de mídia, músico para a produção de jingles, contador, advogado, profissional de marketing, assessor de imprensa, equipe de filmagem, segurança, distribuição de santinhos etc.
As despesas não param nos salários dessa turma. Ainda é necessário pagar cartazes e outros materiais gráficos, alimentação da equipe, energia elétrica para manter os espaços, internet, água, gasolina, aluguel de carros, escritório etc.
Bancar tudo isso custa caro, e os dirigentes partidários precisam selecionar quem vai receber mais dinheiro.
"Você tem muitos candidatos para poucas posições. Quem tem mais recursos terá vantagens nessa corrida. Apesar do grande número de candidatos, as candidaturas realmente competitivas são poucas", diz Oliveira.
Candidatos pouco influentes dentro do partido podem se fiar em doações (hoje apenas individuais) ou autofinanciamento, mas isso favorece pessoas mais ricas.
"Candidatos negros, em grande medida, vêm de um networking social com baixo capital financeiro. A competição é muito desigual", afirma o cientista político.
A pesquisa dos economistas do Insper aponta a concentração dos recursos de campanha em poucos candidatos. E mais: mostra que essa concentração é maior entre candidaturas negras do que brancas.
Isso significa que, na média, há muitos candidatos negros com quase nenhum recurso e poucos com muito.
Candidatos brancos, por sua vez, têm recursos menos concentrados, o que significa que há mais candidatos brancos que receberam valores capazes de bancar uma candidatura minimamente competitiva.
Para o professor da Universidade Federal da Bahia, a legislação precisa garantir equidade no acesso aos recursos na campanha para que pessoas negras consigam viabilizar suas candidaturas sem dilapidar o patrimônio pessoal.
Em dezembro de 2021, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou resolução que estabeleceu regras de distribuição dos recursos do fundo eleitoral para este ano.
Desde 2020, os recursos precisam ser distribuídos de forma proporcional aos candidatos negros de cada partido, ou seja, este ano é a primeira eleição federal na qual o mecanismo será aplicado.
Segundo a corte, cabe a cada legenda estabelecer os critérios para a distribuição interna dos recursos, desde que cumpridos todos os requisitos definidos pela legislação eleitoral.
Para o cálculo do fundo eleitoral, a emenda à Constituição 111/2019 estabelece que, da eleição deste ano até 2030, os votos dados a negros deverá ser contado em dobro, como forma de incentivar maior equilíbrio no acesso aos recursos.
Em 2020, embora pretos e pardos tenham somado 50% do total de candidatos, eles receberam cerca de 40% da verba dos fundos eleitoral e partidário. Os autodeclarados brancos reuniam 60% do dinheiro, apesar de representarem 48% dos candidatos.
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